sábado, 18 de janeiro de 2014

O CULTO EUCARÍSTICO ( BULA MEDIATOR DEI, do Papa Pio XII 59-82)






I. Natureza do sacrifício eucarístico

59. O mistério da santíssima eucaristia, instituída pelo sumo sacerdote Jesus Cristo e, por vontade sua, perpetuamente renovada pelos seus ministros, é como a súmula e o centro da religião cristã. Em se tratando do ápice da sagrada liturgia, julgamos oportuno, veneráveis irmãos, deter-nos um pouco, chamando a vossa atenção para esta importantíssima temática.

60. O Cristo Senhor, "sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedeque" (56) "tendo amado os seus que estavam no mundo",(57) "na última ceia, na noite em que foi traído, para deixar à Igreja, sua esposa dileta, um sacrifício visível, como exige a natureza dos homens, o qual representasse o sacrifício cruento que devia cumprir-se na cruz uma só vez, e para que a sua lembrança permanecesse até o fim dos séculos e nos fosse aplicada sua salutar virtude em remissão dos nossos pecados cotidianos... ofereceu a Deus Pai o seu corpo e o seu sangue sob as espécies de pão e de vinho e deu-os aos apóstolos então constituídos sacerdotes do Novo Testamento, para que sob essas mesmas espécies o recebessem, e ordenou a eles e aos seus sucessores no sacerdócio, que o oferecessem".(58)

61. O augusto sacrifício do altar não é, pois, uma pura e simples comemoração da paixão e morte de Jesus Cristo, mas é um verdadeiro e próprio sacrifício, no qual, imolando-se incruentamente, o sumo Sacerdote faz aquilo que fez uma vez sobre a cruz, oferecendo-se todo ao Pai, vítima agradabilíssima. "Uma... e idêntica é a vítima: aquele mesmo, que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes, se ofereceu então sobre a cruz; é diferente apenas, o modo de fazer a oferta".(59)

62. Idêntico, pois, é o sacerdote, Jesus Cristo, cuja sagrada pessoa é representada pelo seu ministro. Este, pela consagração sacerdotal recebida, assemelha-se ao sumo Sacerdote e tem o poder de agir em virtude e na pessoa do próprio Cristo;(60) por isso, com sua ação sacerdotal, de certo modo, "empresta a Cristo a sua língua, e lhe oferece a sua mão".(61)
63. Também idêntica é a vítima, isto é, o divino Redentor, segundo a sua humana natureza e na realidade do seu corpo e do seu sangue. Diferente, porém, é o modo pelo qual Cristo é oferecido. Na cruz, com efeito, ele se ofereceu todo a Deus com os seus sofrimentos, e a imolação da vítima foi realizada por meio de morte cruenta livremente sofrida; no altar, ao invés, por causa do estado glorioso de sua natureza humana, "a morte não tem mais domínio sobre ele"(62) e, por conseguinte, não é possível a efusão do sangue; mas a divina sabedoria encontrou o modo admirável de tornar manifesto o sacrifício de nosso Redentor com sinais exteriores que são símbolos de morte. Já que, por meio da transubstanciação do pão no corpo e do vinho no sangue de Cristo, têm-se realmente presentes o seu corpo e o seu sangue; as espécies eucarísticas, sob as quais está presente, simbolizam a cruenta separação do corpo e do sangue. Assim o memorial da sua morte real sobre o Calvário repete-se sempre no sacrifício do altar, porque, por meio de símbolos distintos, se significa e demonstra que Jesus Cristo se encontra em estado de vítima.

64. Idênticos, finalmente, são os fins, dos quais o primeiro é a glorificação de Deus. Do nascimento à morte, Jesus Cristo foi abrasado pelo zelo da glória divina e, da cruz, a oferenda do sangue chegou ao céu em odor de suavidade. E porque este cântico não havia de cessar, no sacrifício eucarístico os membros se unem à Cabeça divina e com ela, com os anjos e os arcanjos, cantam a Deus louvores perenes, (63) dando ao Pai onipotente toda honra e glória.(64)

65. O segundo fim é a ação de graças a Deus. O divino Redentor somente, como Filho de predileção do Eterno Pai de quem conhecia o imenso amor, pôde entoar-lhe um digno cântico de ação de graças. A isso visou e isso desejou "rendendo graças"(65) na última ceia, e não cessou de fazê-lo na cruz, não cessa de realizá-lo no augusto sacrifício do altar, cujo significado é justamente a ação de graças ou eucaristia; e porque isso é "verdadeiramente digno e justo e salutar".(66)


66. O terceiro fim é a expiação e a propiciação. Certamente ninguém, fora Cristo, podia dar a Deus onipotente satisfação adequada pelas culpas do gênero humano; ele, pois, quis imolar-se na cruz, "propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas ainda pelos de todo o mundo".(67) Nos altares se oferece igualmente cada dia pela nossa redenção, afim de que, libertados da eterna condenação, sejamos acolhidos no rebanho dos eleitos. E isso não somente por nós que estamos nesta vida mortal, mas ainda "por todos aqueles que repousam em Cristo, os quais nos precederam com o sinal da fé, e dormem o sono da paz",(68) pois, quer vivamos, quer morramos, "não nos separamos do único Cristo".(69)

67. O quarto fim é a impetração. Filho pródigo, o homem malbaratou e dissipou todos os bens recebidos do Pai celeste, por isso está reduzido à suprema miséria e inanição; da cruz, porém, Cristo, "tendo em alta voz e com lágrimas oferecido orações e súplicas... foi ouvido pela sua piedade",(70) e nos sagrados altares exercita a mesma mediação eficaz; a fim de que sejamos cumulados de toda bênção e graça.

68. Compreende-se, portanto, facilmente, porque o sacrossanto concílio de Trento afirma que com o sacrifício eucarístico nos é aplicada a salutar virtude da cruz para a remissão dos nossos pecados cotidianos.(71)

69. Também o apóstolo das gentes, proclamando a superabundante plenitude e perfeição do sacrifício da cruz, declarou que Cristo com uma só oblação, tornou perfeitos para sempre os santificados.(72) Os infinitos e imensos méritos desse sacrifício, com efeito, não têm limites: estendem-se à universalidade dos homens de todo lugar e de todo tempo, porque, nele, o sacerdote e a vítima é Deus Homem; porque a sua imolação como a sua obediência à vontade do Eterno Pai foi perfeitíssima, e porque foi como Cabeça do gênero humano, que ele quis morrer. "Considera como foi tratado o nosso resgate: Cristo pende do madeiro; vê a que preço comprou; ...derramou o seu sangue, comprou com o seu sangue, com o sangue do Cordeiro imaculado, com o sangue do unigênito Filho de Deus... Quem compra é Cristo, o preço é o sangue, a aquisição é todo o mundo".(73)

70. Esse resgate, porém, não teve logo o seu pleno efeito: é necessário que, depois de haver resgatado o mundo com o elevadíssimo preço de si mesmo, Cristo entre na real e efetiva posse das almas. Conseqüentemente, a fim de que, com o beneplácito de Deus, se cumpra para todos os indivíduos e para todas as gerações até o fim dos séculos, a sua redenção e salvação, é absolutamente necessário que cada um tenha vital contato com o sacrifício da cruz, e assim os méritos que dele derivam lhe sejam transmitidos e aplicados. Pode-se dizer que Cristo construiu no Calvário uma piscina de purificação e de salvação e a encheu com o sangue por ele derramado; mas se os homens não mergulham nas suas ondas e aí não lavam as manchas de sua iniqüidade, não podem certamente ser purificados e salvos.

71. A fim de que, pois, os pecadores individualmente se purifiquem no sangue do Cordeiro, é necessária a colaboração dos fiéis. Se bem que, falando em geral, Cristo haja reconciliado com o Pai por meio da sua morte cruenta todo o gênero humano, quis todavia que todos se aproximassem e fossem conduzidos à cruz por meio dos sacramentos e do sacrifício da eucaristia, para poderem conseguir os frutos salutares por ele granjeados na cruz. Com esta atual e pessoal participação assim como os membros se configuram cada dia mais à sua Cabeça divina, assim também a salvação que vem da Cabeça flui para os membros, de modo que cada um de nós pode repetir as palavras de são Paulo: "Estou crucificado com Cristo na cruz, e vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim".(74) Como realmente, em outra ocasião, de propósito e concisamente dissemos, Jesus Cristo enquanto morria na cruz, deu à sua Igreja, sem nenhuma cooperação da parte dela, o imenso tesouro da Redenção; quando, ao invés, se trata de distribuir tal tesouro, não só participa com sua esposa incontaminada desta obra de santificação, mas deseja que tal atividade jorre, de certo modo, por ação dela.(75)

72. O augusto sacrifício do altar é insigne instrumento para aos crentes distribuir os méritos derivados da cruz do divino Redentor: "toda vez que se oferece este sacrifício, cumpre-se a obra da nossa redenção".(76) Isso, porém, longe de diminuir a dignidade do sacrifício cruento, dele faz ressaltar a grandeza, como afirma o concílio de Trento,"(77) e lhe proclama a necessidade. Renovado cada dia, admoesta-nos que não há salvação fora da cruz de nosso Senhor Jesus Cristo;(78) que Deus quer a continuação deste sacrifício "do surgir ao pôr-do-sol", (79) para que não cesse jamais o hino de glorificação e de ação de graças que os homens devem ao Criador, visto que têm necessidade de seu contínuo auxílio e do sangue do Redentor para redimir os pecados que ofendem a sua justiça.

II. Participação dos fiéis no sacrifício eucarístico 

73. É necessário, pois, veneráveis irmãos, que todos os fiéis tenham por seu principal dever e suma dignidade participar do santo sacrifício eucarístico, não com assistência passiva, negligente e distraída, mas com tal empenho e fervor que os ponha em contato íntimo com o sumo sacerdote, como diz o Apóstolo: "Tende em vós os mesmos sentimentos que Jesus Cristo experimentou",(80) oferecendo com ele e por ele, santificando-se com ele. 



74. É bem verdade que Jesus Cristo é sacerdote, mas não para si mesmo, e sim para nós, apresentando ao Eterno Pai os votos e sentimentos religiosos de todo o gênero humano; Jesus é vítima, mas por nós, substituindo-se ao homem pecador; ora, o dito do Apóstolo: "Alimentai em vós os mesmos sentimentos que existiram em Jesus Cristo" exige de todos os cristãos que reproduzam em si, enquanto está em poder do homem, o mesmo estado de alma que tinha o divino Redentor quando fazia o sacrifício de si mesmo, a humilde submissão do espírito, isto é, a adoração, a honra, o louvor e a ação de graças à majestade suprema de Deus; requer, além disso, que reproduzam em si mesmos as condições da vítima: a abnegação de si conforme os preceitos do evangelho, o voluntário e espontâneo exercício da penitência, a dor e a expiação dos próprios pecados. Exige, em uma palavra, a nossa morte mística na cruz com Cristo, de modo que possamos dizer com Paulo: "Estou crucificado com Cristo na cruz".(81)

75. É necessário, veneráveis irmãos, explicar claramente a vosso rebanho como o fato de os fiéis tomarem parte no sacrifício eucarístico não significa todavia que eles gozem de poderes sacerdotais. Há, de fato, em nossos dias, alguns que, avizinhando-se de erros já condenados,(82) ensinam que em o Novo Testamento se conhece apenas um sacerdócio pertencente a todos os batizados, e que o preceito dado por Jesus aos apóstolos na última ceia – fazer o que ele havia feito – se refere diretamente a toda a Igreja dos cristãos e só depois é que foi introduzido o sacerdócio hierárquico. Sustentam, por isso, que só o povo goza de verdadeiro poder sacerdotal, enquanto o sacerdote age unicamente por ofício a ele confiado pela comunidade. Afirmam, em conseqüência, que o sacrifício eucarístico é uma verdadeira e própria "concelebração", e que é melhor que os sacerdotes "concelebrem" junto com o povo presente, do que, na ausência destes, ofereçam privadamente o sacrifício.

76. É inútil explicar quanto esses capciosos erros estejam em contraste com as verdades acima demonstradas, quando falamos do lugar que compete ao sacerdote no corpo místico de Jesus. Recordemos apenas que o sacerdote faz as vezes do povo porque representa a pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo enquanto é Cabeça de todos os membros e se oferece a si mesmo por eles: por isso vai ao altar como ministro de Cristo, inferior a ele, mas superior ao povo.(83) O povo, ao invés, não representando por nenhum motivo a pessoa do divino Redentor, nem sendo mediador entre si próprio e Deus, não pode de nenhum modo gozar dos poderes sacerdotais.

1. Os fiéis oferecem junto com o sacerdote

77. Tudo isso consta da fé verdadeira; mas deve-se, além disso, afirmar que também os fiéis oferecem a vítima divina, sob um aspecto diverso.

Já o declararam abertamente alguns dos nossos predecessores e doutores da Igreja. "Não somente – assim afirmava Inocêncio III, de imortal memória – oferecem os sacerdotes, mas ainda todos os fiéis; pois isto que em particular se cumpre pelo ministério dos sacerdotes, cumpre-se universalmente por voto dos fiéis".(84) E apraz-nos citar ao menos um dos muitos textos de são Roberto Belarmino a esse propósito: "O sacrifício – diz ele – é oferecido principalmente na pessoa de Cristo. Por isso a oblação que segue à consagração atesta que toda a Igreja consente na oblação feita por Cristo e oferece juntamente com ele".(85)

78. Com clareza não menor, os ritos e as orações do sacrifício eucarístico significam e demonstram que a oblação da vítima é feita pelos sacerdotes em união com o povo. De fato, não somente o sagrado ministro, depois da oferta do pão e do vinho, voltado para o povo diz explicitamente: "Orai, irmãos, para que o meu e o vosso sacrifício sejam aceitos junto a Deus-Pai onipotente",(86) mas ainda as orações com as quais é oferecida a vítima divina são, além do mais, ditas no plural, e nelas se indica que também o povo toma parte como ofertante neste augusto sacrifício. Diz-se, por exemplo: "Pelos quais nós te oferecemos, e que te oferecem ainda eles... Por isso te suplicamos, ó Senhor, aceitar aplacado esta oferta dos teus servos e de toda a tua família... Nós, teus servos, como ainda o teu povo santo, oferecemos à tua excelsa majestade os dons e dádivas que tu mesmo nos deste, a hóstia pura, a hóstia santa, a hóstia imaculada".(87)

79. Nem é de admirar que os fiéis sejam elevados a uma tal dignidade. Com a água do batismo, com efeito, os cristãos se tornam, a título comum, membros do corpo místico de Cristo sacerdote, e, por meio do "caráter" que se imprime nas suas almas, são delegados ao culto divino, participando, assim, de modo condizente ao próprio estado, do sacerdócio de Cristo.

80. Na Igreja católica, a razão humana iluminada pela fé sempre se esforçou por ter a maior consciência possível das coisas divinas; por isso é natural que também o povo cristão pergunte piamente em que sentido se diz no Cânon do sacrifício eucarístico que também ele o oferece. Para satisfazer esse piedoso desejo apraz-nos tratar aqui do assunto com clareza e concisão.

81. Há, acima de tudo, razões muito remotas: freqüentemente acontece que os fiéis, assistindo aos sagrados ritos, unam alternadamente as suas orações às orações do sacerdote; alguma vez; ainda, acontece – isto antigamente se verificava com maior freqüência – que ofereçam ao ministro do altar o pão e o vinho para que se tornem corpo e sangue de Cristo; e, enfim, porque, com as esmolas, fazem com que o sacerdote ofereça por eles a vítima divina. 

82. Mas há ainda uma razão mais profunda para que se possa dizer que todos os cristãos e especialmente aqueles que assistem ao altar realizem a oferta.

83. Para não dar ensejo a erros perigosos neste importantíssimo argumento, é necessário precisar com exatidão o significado do termo "oferta". A imolação incruenta por meio da qual, depois que foram pronunciadas as palavras da consagração, Cristo está presente no altar no estado de vítima, é realizada só pelo sacerdote enquanto representa a pessoa de Cristo e não enquanto representa a pessoa dos fiéis. Colocando, porém, no altar a vítima divina, o sacerdote a apresenta a Deus Pai como oblação à glória da SS. Trindade e para o bem de todas as almas. Dessa oblação propriamente dita os fiéis participam do modo que lhes é possível e por um duplo motivo: porque oferecem o sacrifício não somente pelas mãos do sacerdote, mas, de certo modo ainda, junto com ele; e ainda porque com essa participação também a oferta feita pelo povo pertence ao culto litúrgico. Que os fiéis oferecem o sacrifício por meio do sacerdote, é claro, pois o ministro do altar age na pessoa de Cristo enquanto Cabeça, que oferece em nome de todos os membros; pelo que, em bom direito, se diz que toda a Igreja, por meio de Cristo, realiza a oblação da vítima. Quando, pois, se diz que o povo oferece juntamente com o sacerdote, não se afirma que os membros da Igreja de maneira idêntica à do próprio sacerdote realizam o rito litúrgico visível – o que pertence somente ao ministro de Deus para isso designado – mas sim que une os seus votos de louvor, de impetração, de expiação e a sua ação de graças à intenção do sacerdote, aliás do próprio sumo pontífice, a fim de que sejam apresentados a Deus Pai na própria oblação da vítima, embora com o rito externo do sacerdote. É necessário, com efeito, que o rito externo do sacrifício manifeste, por sua natureza, o culto interno; ora, o sacrifício da nova Lei significa aquele obséquio supremo com o qual o próprio principal ofertante, que é Cristo, e com ele e por ele todos os seus membros místicos, honram devidamente a Deus.

Um comentário:

  1. Pax .
    Sou Cerimoniário de minha Paróquia e amei a postagem. Nossa, seu blogger é muito rico em informações. Obrigado por essa oportunidade de aprender mais aqui. Continue postando.. Já recomendei para os meus "Fratres"... Abraços.
    By: Vocacionado Bruno Monteiro.
    Parnaíba-PI. 19.01.14

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